segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Crônica Melogramática





Maria tinha sempre um discurso direto bem afinado. Dia desses, ao vê-la entrar na repartição com um objeto indireto nas mãos, comecei a fazer uma análise sintática da sua vida. Ela era falastrona, muito eloquente, mas ultimamente tinha se tornado um tanto pleonástica.

Andava com um sujeito ora oculto, ora inexistente e não havia mais predicados favoráveis ao seu respeito.  Ontem mesmo chegou atrasada e, questionada pelo chefe, limitou-se a desferir seus ditongos crescentes e decrescentes, criando um enorme hiato entre os dois.

Suspensa, presenciou uma elipse salarial. Lançava mão de eufemismos para se referir ao seu superior, mas sua permanência na empresa era uma verdadeira metáfora. Agora, o discurso indireto a acompanhava. Interjeições severas eram lançadas a quase todo mundo, junto com as suas partículas expletivas e pronomes demonstrativos de que algo não andava bem.

Seus dias eram uma enxurrada de adjetivos incomuns e já era vista na companhia de alguns substantivos impróprios. Levava uma vida de sentido figurado e já nem dava bolas à norma culta. Sua concordância andava brigando com a regência e estava cada vez mais íntima da gíria. Insatisfeita com  seu  trabalho, até tentou fazer um bico com  a  locução verbal, mas logo desistiu.
Foi quando descobri que sua grande paixão, lembrado apenas como  um grande “trema de amor”, desapareceu, inutilizado pelo tempo.

Hoje, um velho hífen, de cara nova, tenta se aproximar. Infelizmente ela percebe  que a hifenização está se tornando uma infernização. Tenta se matar, mas acaba descobrindo que sua vida está cheia de prefixos e sufixos leais e fraternos que não a abandona e que a incentiva a escrever um artigo definido para um grande jornal, onde acaba fazendo sucesso como escritora.

A vida é assim: uma verdadeira aula de gramática. Às vezes super, hiper, mega; outras vezes cheia de supressões, vírgulas, aposto e vocativos. E ainda temos que aprender a conviver com a comparação, apelando sempre  por  uma  boa  oração. Difícil?  Sim! Desistir de aprender? Nunca!
Pois a certeza que temos da vida, ou melhor, da frase, seja ela curta ou longa, com ou sem interrogações, é que um dia acaba como num ponto final. 




Eronildo Ferreira