Maria tinha sempre um discurso direto
bem afinado. Dia desses, ao vê-la entrar na repartição com um objeto indireto
nas mãos, comecei a fazer uma análise sintática da sua vida. Ela era
falastrona, muito eloquente, mas ultimamente tinha se tornado um tanto
pleonástica.
Andava com um sujeito ora oculto, ora
inexistente e não havia mais predicados favoráveis ao seu respeito. Ontem mesmo chegou atrasada e, questionada
pelo chefe, limitou-se a desferir seus ditongos crescentes e decrescentes,
criando um enorme hiato entre os dois.
Suspensa, presenciou uma elipse
salarial. Lançava mão de eufemismos para se referir ao seu superior, mas sua
permanência na empresa era uma verdadeira metáfora. Agora, o discurso indireto
a acompanhava. Interjeições severas eram lançadas a quase todo mundo, junto com
as suas partículas expletivas e pronomes demonstrativos de que algo não andava
bem.
Seus dias eram uma enxurrada de
adjetivos incomuns e já era vista na companhia de alguns substantivos
impróprios. Levava uma vida de sentido figurado e já nem dava bolas à norma
culta. Sua concordância andava brigando com a regência e estava cada vez mais
íntima da gíria. Insatisfeita com seu trabalho, até tentou fazer um bico com a locução
verbal, mas logo desistiu.
Foi quando descobri que sua grande
paixão, lembrado apenas como um grande
“trema de amor”, desapareceu, inutilizado pelo tempo.
Hoje, um velho hífen, de cara nova,
tenta se aproximar. Infelizmente ela percebe
que a hifenização está se tornando uma infernização. Tenta se matar, mas
acaba descobrindo que sua vida está cheia de prefixos e sufixos leais e
fraternos que não a abandona e que a incentiva a escrever um artigo definido
para um grande jornal, onde acaba fazendo sucesso como escritora.
A vida é assim: uma verdadeira aula de
gramática. Às vezes super, hiper, mega; outras vezes cheia de supressões,
vírgulas, aposto e vocativos. E ainda temos que aprender a conviver com a
comparação, apelando sempre por uma boa
oração. Difícil? Sim! Desistir de aprender? Nunca!
Pois a certeza que temos da vida, ou
melhor, da frase, seja ela curta ou longa, com ou sem interrogações, é que um
dia acaba como num ponto final.
Eronildo Ferreira